REFLEXÕES DE UM NOVO ANO
A aproximação da velhice leva o homem a atribuir maior valor à vida.
Assim como o crepúsculo traz maior importância à luz do sol.
Aproxima-se o término de mais um ano. E o momento é adequado à reflexão.
Lembrai-vos dos seres amados que vos antecederam na Grande Viagem. E pensai que, como convosco ocorrerá, eles jamais esperariam ser chamados quando o foram.
Interrogai-vos, em seguida, sobre o quanto desfrutastes da sua companhia. E se seria o mesmo o vosso procedimento, acaso vos fosse dado saber que no dia seguinte não estariam ao vosso lado.
Se assim fizerdes, percebereis quão frágil é o corpo que vos abriga. A vida adquirirá, para vós, uma nova dimensão. E, diante desta dimensão, percebereis como são pequenos os problemas que hoje tanto vos aborrecem.
Pois o homem que padece da sede, no deserto, não se preocupa com o estado das suas vestes; tudo que lhe importa é encontrar o oásis, onde o espera a água maravilhosa.
E esse é o mesmo homem que, na véspera, encantado com novas roupas, não cuidou de encher o seu cantil!
Deixai que eu vos diga que não viveis senão os problemas de cada hora. E descuidais do que tendes, para entregar-vos à angústia de desejar o que vos falta.
Deixais de viver, absorvidos na luta pela vida.
E a vida não demanda lutas. Se vos sobram o amor e a paz de espírito, com pouco podereis ser felizes. E, se um homem está feliz, do que mais pode necessitar?
Se, ao contrário, o amor não mora em seu coração e a paz em seu verdadeiro Eu, todas as posses que possa ter amealhado não lhe serão suficientes, e sempre estará ele à busca de mais.
E não lhe será dado conhecer a felicidade.
Deixai, pois, que eu não vos deseje, para o ano que se inicia, novas posses ou vitórias nos negócios.
Mas apenas a compreensão do que tendes, e a consciência de que o podeis perder a qualquer dia. Porque a fatalidade não manda avisos, e para partir é necessário apenas estar presente.
A cada dia, vos comportais como se vós e os vossos amados fosseis eternos; e o sois, de fato, mas não da forma como pareceis julgar. Pois muitas separações ainda vos serão necessárias, antes do verdadeiro reencontro.
Perdoai-me se, no dia que destinais à esperança, vos falo de algo que parece lembrar a tristeza. Lembrai-vos, entretanto de que a planta mais viçosa brota da terra que recebeu o esterco.
Assim, a vossa grandeza não poderá brotar senão da consciência das vossas limitações; como não desfrutareis da felicidade, se não houverdes conhecido a tristeza. E não percebeis o que tendes, até que vos falte.
Se estas palavras vos digo, é para despertar em vós novos pensamentos. E para que aprendais a valorizar o que tendes, e desfrutar da companhia daqueles que amais; para que, em vosso coração, vos alegreis por tudo o que conseguistes.
Pois é certo que, um dia que não sabeis quando será, chegará também para vós a Grande Viagem. E, nesse dia, tudo e todos que ainda não vos tiverem sido tirados o serão. Porque nada ou ninguém vos poderá acompanhar neste percurso.
Exceto o que estiver guardado no vosso verdadeiro Eu.